Hey,
sonhadores!
Hoje, compartilho um trecho de O circo da noite, de Erin Morgenstern. É um dos meus livros favoritos (quem sabe não faço uma resenha) e acredito que irão gostar desse trecho.
— As histórias
mudaram, meu jovem — diz o homem de terno cinza, com uma tristeza quase
imperceptível na voz. — Não há mais batalhas entre o bem e o mal, não há mais
monstros para matar nem donzelas em perigo a serem resgatadas. Pela minha
experiência, a maioria das donzelas é perfeitamente capaz de se resgatar
sozinha, ao menos as que valem a pena. Não há mais histórias simples com
grandes buscas, feras e finais felizes. As buscas carecem de clareza, objetivos
e caminhos. As feras tomam diferentes formas e são difíceis de reconhecer pelo
que são. E nunca há finais, felizes ou não. As coisas continuam, sobrepondo-se
e se confundindo, sua história é parte da história de sua irmã e de muitas
outras histórias, e não há como dizer para onde qualquer uma delas pode levar.
Bem e mal são muito mais complexos do que uma princesa e um dragão, ou do que
um lobo e uma garotinha de capuz vermelho. E o dragão não é o herói da própria
história? O lobo não está simplesmente se comportando como um lobo? Mesmo sendo
um lobo que se dá o trabalho de se vestir como uma vovozinha para brincar com
sua presa.
Widget
dá um gole no vinho, considerando as palavras antes de responder.
—
Mas será que isso não significa que afinal nunca houve nenhuma história
simples? — pergunta.
O
homem de terno cinza dá de ombros, depois pega a garrafa de vinho e enche
novamente a própria taça.
— É uma questão complicada. O cerne
da história e as ideias por trás são simples. O tempo alterou e condensou suas
nuances, transformou-as em algo mais que uma história, maior que a soma de suas
partes. Mas isso requer tempo. As histórias mais verdadeiras requerem tempo e
familiaridade para se tornarem o que são.
(...)
—
A magia não é razão suficiente para viver? — pergunta Widget.
—
Magia — repete o homem de terno cinza, transformando a palavra numa risada. —
Isso não é magia. É a forma como o mundo é, só que poucas pessoas arranjam
tempo para parar e observar. Olhe ao redor — diz, indicando as mesas em volta.
— Ninguém aqui tem a menor noção das coisas que são possíveis neste mundo, e o
pior é que ninguém prestaria atenção se você tentasse elucidá-las. As pessoas
preferem acreditar que magia é apenas uma ilusão inteligente, porque achar que
é algo real não as deixaria dormir à noite, de medo da própria existência.
—
Mas algumas pessoas podem ser esclarecidas — diz Widget.
—
Sim, na verdade essas coisas podem ser ensinadas. É mais fácil com mentes mais
jovens. Existem truques, claro. Nada dessa bobagem de coelhos em cartolas, mas
formas de tornar o Universo mais acessível. Poucas, muito poucas pessoas têm
tempo para aprender isso hoje em dia, infelizmente, e menos ainda dispõem de
algum acesso natural. Você e sua irmã têm, como um efeito não previsto da estreia do
seu circo. O que vocês fazem com esse talento? A que propósito isso vai servir?
Widget
considera a pergunta antes de responder. Além dos confins do circo parece haver
pouco espaço para essas coisas, ainda que isso talvez faça parte do argumento
exposto.
—
Eu conto histórias — diz. É a resposta mais autêntica que tem para oferecer.
—
Você conta histórias? — pergunta o homem, demonstrando um interesse quase
palpável.
—
Histórias, contos, crônicas celtas — continua Widget. — Pode chamá-las como
quiser. As coisas que estávamos discutindo antes, que são mais complicadas do
que já foram. Pego os pedaços do passado que consigo ver e os combino em
narrativas. Não é tão importante, e não é por isso que estou aqui...
— Mas é importante — interrompe o
homem de terno cinza. — Alguém precisa contar essas histórias. Quando batalhas
são travadas, vencidas e perdidas, quando piratas encontram seus tesouros e os
dragões comem seus inimigos no café da manhã acompanhados de uma bela xícara de
chá, alguém precisa contar as próprias narrativas superpostas. Existe magia nisso.
Está nas pessoas que ouvem, e será diferente para cada ouvido, e vai afetá-las
de formas que nunca poderão prever. Desde o mundano até o mais profundo. Você
pode contar uma história que passe a morar na alma de alguém, se transforme em
seu sangue e propósito. Essa história vai motivar e impulsionar e quem sabe o
que ela poderá fazer por causa disso, por causa das suas palavras. Esse é o seu
papel, o seu talento. Sua irmã pode ser capaz de ver o futuro, mas você pode
moldar esse futuro, rapaz. Não se esqueça disso. — Toma outro gole de vinho. —
Afinal, existem muitas formas de magia.
(...)
O circo da noite, de Erin
Morgenstern
Assim
como o homem de terno cinza, também acho que “o cerne da história e as ideias por trás são simples”, mas, conforme
a história (sua ou minha) se desenvolve, ela vai se complexificando. Nada é
preto no branco, tudo tem seus tons e subtons. É bom lembrarmos que há nuances
em cada história que a re-criam e a transformam constantemente, por isso nada é absoluto.
A
magia não está relacionada somente a criaturas e universos mágicos, mas está na vida, está ao nosso redor. Será que realmente enxergamos a magia nas coisas
e na vida em si? É importante acreditarmos nas possibilidades e nos frutos do
nosso trabalho — a
magia também é isso. Na verdade, é tão ampla que parafraseio as
palavras do homem de terno cinza: são as “formas
de tornar o Universo mais acessível” e suas formas são múltiplas.
O
que vocês apreenderam desse trecho? Gostaram? Comentem para trocarmos ideias. Um
abraço e até o próximo post! o/
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