Hey, sonhadores!
O primeiro conto que li (anos atrás) de Caio Fernando
Abreu foi Dama da Noite. E afirmo: é
um dos meus favoritos. Esse conto é sobre uma mulher mais velha conversando com
um jovem de mais ou menos 20 anos em um bar.
A narrativa é um monólogo em 1ª pessoa, ou
seja, ela conversando com o seu interlocutor ─
que o chama de boy. O conto começa
assim:
Como se eu
estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito
roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar.
Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A
linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante
nessa roda-gigante (...). (ABREU, 2014, p. 125)
A
roda-gigante pode ser interpretada de muitas maneiras. Uma delas: a
forma como as pessoas devem ser e viver a vida ─ ou
seja, cumprir
uma norma de comportamento imposta pela sociedade. Dama da Noite, ao contrário do que se espera, não segue um padrão
socialmente (pre)determinado, pois ela vai de encontro ao que foi estabelecido. E, como afirma Odirlei Santos (2006),
estar fora da
roda citada por Dama da Noite é nadar
contra o fluxo, sob o risco de se transformar num outsider, um estrangeiro do
seu próprio tempo, indesejado e inadaptado face às razões pelas quais os outros
vivem e pagam.
Em seu discurso, Dama da Noite manifesta seu descontentamento por não fazer parte da
roda-gigante. Porém, ao longo da leitura, percebemos que ela não quer fazer
parte, porque ela menospreza quem está na roda, como no trecho abaixo:
Essa roda girando
girando sem parar. Olha bem: quem roda nela? As mocinhas que querem casar, os
mocinhos a fim de grana pra comprar um carro, os executivozinhos a fim de poder
e dólares, os casais de saco cheio um do outro, mas segurando umas. Estar fora
da roda é não segurar nenhuma, não querer nada. Feito eu: não seguro picas, não
quero ninguém. (ABREU, 2014, p. 134)
Além disso, ressalto que a afirmação de
Torres (200?) é crucial para entendermos a protagonista e a sua relação com a
roda-gigante:
Dama da Noite representa, genericamente, o sujeito “entre-lugares”,
o sujeito que se opõe a uma ordem pré-estabelecida e se recusa a obedecer a
qualquer modelo imposto por uma sociedade hipócrita e conservadora, cujos
valores se esvaziaram de sentido e não são mais do que velhos (pre)conceitos
reeditados para os tempos modernos. Há uma quebra de padrões no comportamento
da personagem, revelado ─ principalmente ─ pelo seu discurso.
Dama da Noite desconstrói e
transgride padrões de pensamento e seu interlocutor apenas assiste passivamente
─ sem direito a voz ─ a esse espetáculo
iconoclasta, enquanto a personagem discorre com uma ironia mordaz sobre temas
como o amor (a falta, a busca, a impossibilidade do toque), o sexo ou a morte.
Todos esses temas, considerados tabus pela sociedade, são retomados sem
qualquer pudor com um certo toque de ironia e de maneira até agressiva pela
personagem (...).
Ao pensar na roda-gigante como metáfora de
algo socialmente imposto, reflitamos: (i) estamos dentro ou fora dessa roda-gigante? (ii) Estar no entre-lugar, como a Dama da Noite, é bom ou ruim? Para além dessas reflexões, dou três fatos que chamam atenção nesse conto e que valem
a leitura:
» a
linguagem ─ é informal e com
palavrões;
» a
ironia da protagonista;
» o
conto inteiro é um monólogo.
Lembrando:
a minha interpretação aqui é apenas um recorte dos muitos que o conto Dama da Noite nos proporciona. Recomendo
que leiam tanto o conto quanto os artigos sobre ele. Um abraço e até o próximo
post! o/
Referências:
ABREU, Caio Fernando.
Os dragões não conhecem o paraíso.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014. p. 125-135.
SANTOS, Odirlei Costa
dos. Amores e desejos líquidos: implicações hipermodernas no conto “Dama da noite”,
de Caio Fernando Abreu. Garrafa, Rio
de Janeiro, v. 4, n. 12, out./dez. 2006.
TORRES, Rodolfo Luiz Brito. O “entre-lugares”: uma leitura queer do conto Dama da Noite, de Caio Fernando Abreu. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/humanidades/ARTIGOS/GT07/O%20Entre-Lugares.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2022.
"Estar no entre-lugar é bom ou ruim?" Maravilhoso o texto!! Sem dúvidas vou ler o conto XD
ResponderExcluirMuito obrigada!! ♡ Acho que vc vai gostar do conto rs.
ExcluirÓtimo texto!!! Se estar no entre-lugar é bom ou ruim, eu não sei, mas acho corajoso. Ir contra o que é pré determinado pela sociedade, contra o que seria o normal. Funciona bem se essa rebeldia for por entender que não se encaixa ali e busca algo melhor.
ResponderExcluirColocarei o conto na lista de futuras leituras.
Muito obrigada!! ♡ Concordo: ir de encontro ao que é pré-determinado pela sociedade (o entre-lugar) requer muita coragem.
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