Hey, sonhadores! ❤
Como sabem, hoje é o Dia do Orgulho Nerd – uhuuuu... 😎🎉😍 Por isso, venho compartilhar o conto Olhos fazem mais do que ver, do maravilhoso
Isaac Asimov. Esse conto foi publicado no livro O cair da noite e outras histórias. Espero que gostem.
Olhos fazem mais do que ver
Depois de centenas de bilhões de anos, ele
subitamente pensou em si mesmo como sendo Ames. Não a combinação de
comprimentos de onda que, através de todo o universo, era agora o equivalente
de Ames – mas no som em si mesmo. Uma leve lembrança lhe voltou das ondas de
som que já não mais ouvia e não mais poderia ouvir.
O novo projeto estava aguçando a sua memória para
tantas outras coisas antigas, antigas como éons. Comprimiu o vórtice de energia
que formava o total da sua individualidade e as suas linhas de força
estenderam-se para além das estrelas.
O sinal de resposta de Brock chegou.
Com toda a certeza, pensou Ames, podia contar a
Brock. Certamente podia contar a alguém. Comungando com seu perdão variável de
energia, Brock perguntou:
– Você não vem, Ames?
– Naturalmente.
– Tomará parte no concurso?
– Sim! – e as linhas de força de Ames pulsaram
erraticamente. – Com toda a certeza. Tenho pensado numa forma de arte
totalmente nova. Algo realmente incomum.
– Mas que desperdício de esforço! Como pode pensar
que uma nova variação pode ser criada depois de duzentos bilhões de anos? Não
pode haver nada de novo.
Por um momento Brock saiu de fase e de comunhão,
de maneira que Ames teve que se apressar para ajustar as suas linhas de força.
Captou o deslocamento dos pensamentos do outro ao fazê-lo – a visão da poeira
de nebulosas contra o veludo do nada e as linhas de força pulsando, em
multidões sem fim de vida-energia entre as galáxias.
– Por favor, absorva meus pensamentos, Brock –
disse Ames. – Não se feche. Tenho pensado em manipular a Matéria. Imagine! Uma
sinfonia de Matéria. Para que nos preocuparmos com a Energia? É claro que não
há nada de novo na Energia. Como poderia haver? E isto não nos prova que
deveríamos tratar da Matéria?
– Matéria!
Ames interpretou as vibrações de energia de Brock
como de aversão.
– Por que não? – disse ele. – Nós próprios fomos
Matéria há muito, muito tempo. Oh, há um trilhão de anos! Por que não construir
objetos tendo a Matéria como agente ou formas abstratas ou... Escute, Brock,
por que não construir uma imitação de nós mesmos na matéria, de nós mesmos como
éramos antes?
– Não me lembro como era. Ninguém se lembra –
disse.
– Mas eu me lembro – disse Ames com vigor. – Não
tenho pensado em outra coisa e estou começando a me lembrar. Brock, deixe-me
mostrar-lhe. Diga-me se estou certo. Por favor, diga-me.
– Não, é idiota. E... repulsivo.
– Deixe-me tentar, Brock. Temos sido amigos. Temos
pulsado energia juntos desde o início – desde o momento em que nos tornamos o
que somos. Brock, por favor!
– Então, que seja rápido.
Ames não havia sentido tal tremor ao longo das
suas próprias linhas de força desde... Bem, desde quando? Se tentasse aquilo
agora diante de Brock e funcionasse, poderia ousar manipular a Matéria diante
da assembleia dos seres-Energia que têm tão melancolicamente esperado, através
dos éons, por algo novo.
A matéria era rarefeita, entre as galáxias, mas
Ames coletou-a por vários anos-luz cúbicos, escolhendo os átomos, atingindo uma
consistência argilosa e forçando a matéria numa forma ovoide que se espraiava
para baixo.
– Não se lembra, Brock? – perguntou suavemente. –
Não alguma coisa assim?
– Não me faça lembrar – e a fase do vórtice de
Brock tremeu. – Eu não me lembro.
– Isto era a cabeça. Chamavam isto de cabeça.
Lembro-me tão claramente que preciso dizer. Quero dizer, do som. – Esperou,
para em seguida continuar. – Olhe, você se lembra disto?
E na frente superior do ovoide apareceu: CABEÇA.
– O que é? – indagou Brock.
– É a palavra para cabeça. Os símbolos que
representavam a palavra em som. Diga que se lembra, Brock!
– É, há alguma coisa – disse Brock, hesitante –
havia alguma coisa no meio. – Uma formação verticalmente formou-se.
– Sim! Nariz, é isto! – disse Ames. E a palavra
NARIZ apareceu no local indicado. – E estes são olhos, um de cada lado. OLHO
ESQUERDO – OLHO DIREITO.
Ames ficou a contemplar o que havia formado,
enquanto as suas linhas de força pulsavam vagarosamente. Estava mesmo gostando
daquilo?
– Boca – disse ele com ligeiros tremores – e
queixo e pomo de Adão e clavículas. Como as palavras me voltam à memória! – E
elas apareceram sobre a forma.
– Não havia pensado nelas por centenas de bilhões
de anos. Por que me faz recordar? Por quê?
– Havia mais alguma coisa – e Ames momentaneamente
ficou perdido em seus pensamentos. – Órgãos para ouvir. Algo para as ondas de
som. Orelhas! Onde ficavam elas? Não posso me lembrar, onde vão?
– Esqueça isso! – gritou Brock. – Orelhas e tudo
mais! Não tente lembrar-se!
– O que está errado em lembrar? – disse Ames,
incerto.
– Porque o exterior não era áspero e frio assim,
mas suave e tépido. Porque os olhos eram ternos e vivos, os lábios da boca
tremiam e eram macios contra os meus – e as linhas de força de Brock batiam e
ondulavam, ondulavam e batiam.
– Desculpe! Desculpe! – disse Ames.
– Você me faz lembrar que certa vez fui uma mulher
e conheci o amor, que olhos fazem mais do que ver e que agora não os tenho mais
para usá-los.
Com violência, adicionou mais matéria à grosseira
configuração de uma cabeça e disse: – Portanto, deixe que eles o façam! –
voltou-se e fugiu.
E então Ames viu que se lembrava também, que certa
vez havia sido um homem. A força de seu vórtice rachou a cabeça em dois pedaços
e também fugiu pelas galáxias, no rastro da energia de Brock – de volta ao
destino sem fim da vida.
Mas os olhos da cabeça partida de Matéria ainda
brilhavam com a umidade que Brock lá havia colocado para representar lágrimas.
A cabeça de Matéria fazia o que os seres de energia não mais podiam fazer:
chorava por toda a humanidade e pela frágil beleza dos corpos de que haviam
desistido, um trilhão de anos atrás.
O que acharam do conto? A minha parte favorita é o último parágrafo e o de vocês? Comentem para compartilharmos ideias e interpretações que Olhos fazem mais do que ver suscita. Um abraço e até o próximo post. o/
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Curiosidade
sobre esse conto: Em
1964, a revista Playboy pediu ao Isaac Asimov que escrevesse um conto para eles. Enviaram-lhe
uma foto obscura de uma cabeça de argila, sem orelhas e com as outras
características marcadas com letras de forma e pediram para escrever uma
história baseada nessa foto. Ao ver a foto, Asimov se sentiu desafiado e
escreveu Olhos fazem mais do que ver.
O que vocês acham que aconteceu quando ele enviou o conto? Adoraram o conto e
pediram mais? Não. Segundo o autor, “o conto foi rejeitado com grande vigor. O
manuscrito veio voando através de minha janela desde Chicago, bateu contra a
parede e ficou ali tremendo (pelo menos foi como pareceu).” Com isso, ele entrou
em contato com a Playboy para se certificar de que podia fazer o que quisesse
com o conto (já que foi rejeitado) e falaram que sim. Então, enviou-o a The Magazine of Fantasy and Science Fiction
explicando essa situação e a F & SF aceitou publicá-lo. O conto foi
publicado em abril de 1965.
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A curiosidade sobre a Playboy foi ótima rsrsrsrs
ResponderExcluirFiquei surpresa com essa curiosidade rsrs
ExcluirGostei bastante como o autor brinca com essa questão de energia e matéria. Tem relação com uma das teorias de Einstein, aquela mais famosa E=mc², que basicamente diz que energia é igual a matéria . Então, como Ames e Brock já foram matéria e quando morreram eles viraram somente energia.
ResponderExcluirAdorei a sua contribuição, Luana! Nem me lembrava mais dessa teoria de Einstein (sorry). Esse conto é perfeito, né?!
ExcluirGostei muito dele, pq achei bem profundo. E essa curiosidade é tudo! hahahah
ExcluirAmei o conto e a curiosidade 😂🥰
ResponderExcluirSomos duas, Mariana rs
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