Na
segunda (08/3), foi o Dia Internacional da Mulher. Então, neste post, venho
falar de um conto que por muito tempo foi considerado de terror (e é, pois
fiquei enraivecida estarrecida ao longo da leitura) por mostrar o colapso mental da protagonista, mas, na verdade,
faz uma crítica ao machismo. O papel de
parede amarelo foi escrito pela Charlotte Perkins Gilman e publicado em
janeiro de 1892, esse conto é um dos precursores da literatura feminista nos
EUA.
No
conto, não é dito o nome da protagonista nem a doença que ela tem, mas é dado
o nome do marido e de alguns personagens. John é o marido que se preocupa com a
esposa, porém é através dessa preocupação que percebemos os comentários
machistas dele. Para entendermos melhor esses comentários, explicitarei os que
achei mais relevantes.
A priori, vamos conhecer um pouco a personalidade
do John: é um homem extremamente prático e não acredita que a esposa esteja
doente. Assim como o cunhado, acredita que ela esteja com uma temporária
depressão nervosa, uma ligeira tendência histérica – para pontuar, ambos são
médicos de grande reputação (Ok, né?).
Agora,
vamos à relação que os personagens têm entre si:
- John no que concerne à esposa = a proíbe
de trabalhar e de pensar na condição dela, além de não gostar que ela escreva.
Ele a faz acreditar que o problema dela é apenas nervos e, por isso, diz-lhe
para não se entregar às fantasias que são proporcionadas pelo incômodo que
sente com o papel de parede amarelo. Ao mesmo tempo, não permite a troca do
papel de parede nem que troquem de quarto – essas sugestões dela são, para ele,
meros caprichos. No decorrer da narrativa, John a convence de que ela não tem
nada demais e lhe diz que é a única que pode ajudar a si mesma a sair desse
estado; que deve usar a própria força de vontade e autocontrole para não
permitir que as fantasias tolas a dominem.
- A
protagonista no que
concerne à doença e ao marido = diferentemente do marido, acredita que, “se
tivesse menos contrariedades e mais convívio social e estímulos...” (p.13),
seria melhor e a faria bem. Aceita as decisões/opiniões do marido, pois ele
sempre tem razão (hum...); por conta disso, aprende a gostar do papel de parede
amarelo. Apesar de se sentir muito cansada, sente uma grande necessidade de
escrever o que sente/pensa, já que não pode conversar com o marido (nem com ninguém)
a respeito.
Trechos
do conto:
» É
tão desanimador não ter ninguém para me dar conselhos ou acompanhar meu
trabalho. Quando eu estiver melhor, John diz que vamos convidar o primo Henry e
Julia para uma longa visita; mas diz também que preferiria pôr fogos de
artifício sob meu travesseiro a permitir que eu desfrute de companhias tão
estimulantes neste momento.
“Talvez fisicamente...”, comecei, mas logo me interrompi, porque ele se endireitou e lançou-me um olhar tão severo e repreensivo que não pude dizer mais uma palavra sequer.
Assim, é claro, não toquei mais no assunto, e sem demora fomos dormir. (p. 40-42)
John convence a esposa de que ela não tem nada demais e, por isso, nunca dá voz a ela – para o que sente, para o que deseja. A única voz que tem legitimidade é a dele. Isso fica claro no texto, pois, mesmo discordando do marido, ela não ousa desafiá-lo – essa situação exemplifica como a sociedade patriarcal a restringe e a sufoca (assim como todas as mulheres).
Como disse anteriormente, não é explicitada a doença que ela tem, mas acredito que seja depressão pós-parto porque a narradora menciona o bebê no início do conto. De qualquer forma, o marido não leva isso muito a sério – tanto que a leva para passar uns dias numa casa de campo com a premissa: “o ar puro te fará bem”.
Por ser proibida de fazer esforço físico e mental, dá-me a impressão de que os sentimentos dela estão à flor da pele, mas ela não pode demonstrar e, por isso, chora sozinha para não preocupar o marido. Além disso, uma ótima analogia de como a protagonista se enxerga é quando ela consegue ver formas que se multiplicam no papel de parede e afirma: “há coisas nesse papel que só eu sei, e que ninguém mais virá a saber.” (p. 38)
A apresentação do livro é da Marcia
Tiburi e quero dividir com vocês o último parágrafo:
No final, temos o posfácio da Elaine R. Hedges (feminista americana e pioneira em Estudos da Mulher nos anos 1970). Ela disserta e analisa a obra, relacionando-a com a vida da autora. Compartilho com vocês trecho de um parágrafo dessas reflexões:
“A narradora é uma mulher que foi levada ao campo pelo marido em um esforço para curá-la de uma doença indefinida – uma espécie de fadiga nervosa. Embora o marido, um médico, seja apresentado como homem amável e bem-intencionado, logo fica evidente que o tratamento que confere à esposa, baseado em atitudes do século XIX em relação às mulheres, é uma fonte importante de sua aflição, e talvez um cruel instigador dela, ainda que de forma inadvertidamente. (...) Enquanto anseia por estímulo e atividade intelectual, chegando em certo momento a expressar de forma pungente seu desejo de ter alguém “para me dar conselho ou acompanhar meu trabalho” (desejos que poderiam ser lidos hoje como respeito e igualdade), o que recebe é o tratamento-padrão dispensado às mulheres em uma sociedade patriarcal.” (p. 89-90)
Em suma, ressalto que, ao não mencionar o nome e a doença da protagonista, o conto (e esse horrível papel de parede amarelo) faz com que nós, mulheres, identifiquemo-nos de alguma forma com ela. Espero que tenham gostado do post e que se sintam motivados a ler O papel de parede amarelo. Deixem nos comentários as suas impressões do conto. Um abraço e até o próximo post! o/
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😍😍😍😍😍
ResponderExcluirAmei essa publicação! Fiquei morrendo de vontade de ler o conto. Já li um livro da Márcia Tiburi sobre feminismo e ela é maravilhosa! E amei saber também que esse livro foi escrito ainda no século XIX! Imagino que deve ter sido bem desafiador pra época...
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