E no final a escrita



Hey, sonhadores! 

 

No livro E no final a morte, de Agatha Christie, há um diálogo entre Renisenb e Hori sobre a escrita que achei sensacional. Por consequência, quero compartilhar esse trecho com vocês. A priori, preciso explicitar que a narrativa desse livro se passa no Egito de +/- 2.000 a.C., então a pergunta de Renisenb é pertinente, já que naquela época somente um grupo muito restrito sabia ler e escrever. Segue o trecho:

 

Após algum tempo, [Renisenb] disse, em tom sonhador:

 Seria interessante saber escrever em papiro. Por que não ensinam a todos?
 Não é necessário.
 Não é necessário, mas seria agradável.
 Acha mesmo, Renisenb? Que diferença faria para você?
Renisenb refletiu por alguns momentos e então falou devagar:
 Quando você me pergunta desse modo, Hori, não sei, de verdade.
Hori disse:
 No momento, uns poucos escribas são tudo o que uma grande propriedade precisa, mas imagino que chegará o dia em que haverá exércitos de escribas por todo o Egito.
 Isso seria uma coisa boa – disse Renisenb.
 Não tenho certeza – foi a resposta vagarosa de Hori.
 Por que não?
 Porque, Renisenb, é tão fácil e custa tão pouco trabalho anotar dez medidas de cevada, ou uma centena de cabeças de gado, ou dez campos de trigo... que o que está escrito vai parecer a coisa real, e assim os escribas terminarão por desprezar o homem que lavra os campos, e ceifa a cevada, e cria o gado... Mas ainda assim os campos e o gado são reais... Não são apenas marcas de tinta em um papiro. E quando todos os registros e todos os rolos de papiro forem destruídos e os escribas estiverem dispersos, os homens que semeiam e colhem seguirão em frente, e o Egito continuará vivo.
Renisenb olhou para ele atentamente. Disse devagar:
 Sim, entendo o que quer dizer. Só as coisas que se pode ver, e tocar, e comer são reais. Escrever "Tenho 240 medidas de cevada" não significa nada a não ser que você tenha a cevada. É possível escrever mentiras. 
 
(CHRISTIE, 2011, p. 22-23)

 

As reflexões tanto de Hori do porquê a escrita não pode ser ensinada a todos quanto as de Renisenb no último parágrafo são ótimas. Assim como Renisenb, acredito que todos devem aprender a ler e a escrever (é o direto básico de todo cidadão), porém o que Hori nos apresenta é a outra face da moeda, ou seja, a presunção dos que usam o trabalho intelectual. Infelizmente, existem muitos que, em sua arrogância, menosprezam os que usam a força braçal para trabalhar; que acreditam que são seres superiores e tal "regalia" justifica suas ações. Além disso, a escrita pode ser usada de forma correta e de forma duvidosa. Por isso, faz-se necessário ler o que estamos comprando, o que estamos assinando, o que estamos concordando/discordando. Tanto as verdades quanto as mentiras circulam por aí e somente uma leitura atenta nos faz perceber as diferenças entre elas ‒ no mundo de hoje, o cuidado deve ser dobrado também com as fake news.

 

Um abraço e até o próximo post! o/

 

 



Comentários

  1. Nesse mundo de fake news e gente que não vai atrás da origem das coisas temos que tomar cada vez mais cuidado! Muito bom.

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  2. Perfeita sua reflexão! Me lembrou muito o livro 1984, onde eles criam as informações para enganar a população. Além de lembrar muito o Brasil dos dias de hoje...Parabéns pelo post!

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